Produtividade brasileira está praticamente estagnada desde início dos anos 80; cenário é imposto pela falta de incentivo à educação, pesquisa e inovação
Jornal GGN – Desde o início dos anos 1980 a produtividade brasileira não evoluiu a ponto de alcançar ou ultrapassar outros países. Isso, basicamente, significa que o Brasil produz menos por um custo maior, porque não possui tecnologia e mão de obra qualificada em níveis competitivos. A performance ruim da produtividade brasileira também reflete em salários menores e baixos investimentos dos empresários.
O professor titular da USP, especialista em teoria da inovação e sociologia econômica, ex-presidente do Ipea e da Finep, Glauco Arbix, conversou com a TV GGN sobre esse desafio que pode ser superado com políticas públicas focadas e a não interrupção de investimentos.
Em 1974, a Coreia do Sul estava atrás do Brasil em termos de produção em áreas científicas e domínios tecnológicos. Em 2012, além de ultrapassar o Brasil, o país asiático se encontrava no calcanhar dos Estados Unidos. Isso significa que, com políticas públicas focadas e permanentes, em poucas décadas um país pode alterar o estado de estagnação, e Arbix reforça que o Brasil é capaz de alterar sua trajetória em menos tempo:
“Se você fizer o investimento certo em educação, se fizer o investimento certo para potencializar toda a atividade de engenharia das empresas, para que elas sejam mais inovadoras, se você tiver escolas técnicas de qualidade e conseguir articular todo o nosso potencial de inteligência, com certeza em uma geração, 15 anos, veremos o país, efetivamente, de ponta cabeça”.
Não só o exemplo da Coreia, mas de outros países, como Estados Unidos, França e Alemanha, mostra que a produtividade de um país está diretamente relacionada ao grau de ciência, tecnologia e inovação (C,T&I) que consegue desenvolver. A receita se completa com o investimento em educação. Curiosamente, professor é o profissional mais bem pago na Coreia do Sul, e uma recente pesquisa publicada pela Fundação Varkey revela que o Brasil está no último lugar em um ranking de 35 países sobre o prestígio do professor.
O período recente onde a C,T&I e a educação receberam mais atenção das contas públicas foram nos governos Lula e Dilma. Em 2014, o país conseguiu empregar 1,28% do total do Produto Interno Bruto (PIB) na C,T&I. E, entre 2003 e 2014, conseguiu aumentar em 18 o número de universidades federais e 173 campus universitários. Nesse mesmo período, o número de estudantes universitários passou de 505 mil para 932 mil.
“Os países que começam a fazer um pouco a diferença nesse cenário [da C,T&I], investem, pelo menos, 2% do PIB. O Brasil tem condições de atingir 2% do PIB em pesquisa e desenvolvimento em dez anos. Só precisa ter foco, definir prioridades e não alternar e cortar investimentos, de forma que esses recursos sejam instáveis”, pontua o pesquisador.
A independência pela tecnologia
“As pessoas em geral, governos e deputados precisam entender que tecnologia não é um bem como qualquer outro”, ressalta Arbix. É positivo que o país seja forte na produção de commodities, como grãos e carnes, o problema, destaca o pesquisador, é que o preço de produtos padronizados não são fixados pelo Brasil.
“O preço do petróleo, grãos e carnes são definidos internacionalmente, e quando esse preço baixa lá fora, o país sofre brutalmente, é só olhar o que aconteceu entre o governo Lula e da Dilma”. O governo Lula foi, especialmente, beneficiado por uma demanda de commodities a preços elevados no mercado externo. Era época de crescimento acelerado no mundo, puxado pela China e Índia, que favoreceu todos os países da América Latina, produtores de bens primários.
“Quando essa explosão acalmou e coincidiu com a pós-crise de 2008 e com o início do governo Dilma, a gente viu o desempenho brasileiro arrefecer bastante. Pode ter tido erros no governo, da condução econômica, apostas voluntaristas, tudo isso pesa, mas é inegável que você é obrigado a levar em conta uma alteração profunda no cenário internacional, e esse cenário internacional não é controlado por ninguém”.
Por outro lado, países mais industrializados e que comercializam tecnologias são mais resistentes às crises. “Quando você produz bens de tecnologia o que acontece é que você fixa o preço, porque é quem coloca o produto no mundo inteiro e tem sempre divisas, entradas de recursos. É o que aconteceu na economia americana. Ela também sofreu os efeitos da retração da economia mundial, no entanto, continuou definindo tendências, seja na área dos eletrônicos, inteligência artificial, big data, analytics ou internet das coisas”, explica.
“A economia americana penetra todos os poros da economia [mundial] e consegue se expandir e fazer com que suas empresas tenham sucesso”, completou Arbix.
Essa, portanto, é a questão de fundo que está sendo colocada quando se fala em que posição o Brasil deve se colocar no mercado mundial. Para aqueles que acreditam que o país está bem no papel de “celeiro do mundo” e fadado a ter uma população de consumidores de tecnologia, e não de produtores, Arbix responde que essa é uma visão “obscurantistas”:
“O Brasil tem todas as condições para concorrer. Produzimos aviões pela Embraer, raríssimos países do mundo tem uma empresa com a capacidade dela. O Brasil conseguiu se despontar como o primeiro grande país na prospecção em águas profundas, com a Petrobras, então, não temos nenhum destino que diga para a gente que o brasileiro não tem condições de competir com outros países”.
Incerteza do novo governo
Indefinição do momento político, economia lenta ou em recessão e o baixo nível de confiança dos empresários são outros três componentes importantes que tornam o ambiente brasileiro inóspito para investimento em ciência, tecnologia e inovação. E o Brasil reúne, exatamente, todos esses elementos hoje.
“Apesar de sair de um processo eleitoral, ainda estamos em um período de indefinição muito grande porque, praticamente, não sabemos muito sobre os planos do próximo governo”, pondera Arbix reforçando que o nível de confiança está relacionado à percepção dos empresários se o sistema político-econômico irá funcionar bem nos próximos anos e se as regras de incentivo aos investimentos não irão mudar abruptamente.
“Seja qual for o governo que vier, mais à direita, mais à esquerda, de centro-médio, centroavante, chame como você quiser, se não colocar a nossa inteligência junta, se não conseguir articular essa nossa competência [em ciência, tecnologia e inovação, nós não vamos conseguir disputar nada no mundo, nem em termos de tecnologia, nem em termos de mercado, de uma nova pauta exportadora, e não vamos conseguir superar a nossa situação de extrema dependência de produtos padronizados, tipo commodities”, acrescenta.
Nesse cenário o Brasil vai se consolidando como um grande mercado para os países desenvolvedores de tecnologia.
“Quem tiver recursos para comprar, vai poder comprar e, em um país com grande clivagem social como é o nosso, significa dizer que não apenas a divisão entre pobres e ricos irá permanecer, mas também entre negros pobres, que jamais vão poder sonhar com aquilo que os brancos e ricos, ou medianamente ricos, podem ter ou fazer”, conclui Glauco Arbix.