Um novo destino dado aos resíduos do beneficiamento de rochas ornamentais e a criação de novos produtos levaram pesquisadores do Espirito Santo à conquista do prêmio ‘Melhores Práticas em Arranjo Produtivo Local – APL de Base Mineral 2022’. A normatização na utilização dos resíduos na produção de materiais e componentes construtivos à base de cimento portland é uma produção ecologicamente sustentável que impacta diretamente no meio ambiente, devido ao destino adequado dos resíduos, e na economia, com a redução de custos no setor da construção civil com inovação.
Os estudos científicos, com foco no setor de rochas ornamentais, começaram em 2018 com dois projetos paralelos referentes às questões ambiental e tecnológica, ambos com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes).
A pesquisadora Monica Gadioli, do Núcleo Regional do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem) de em Cachoeiro de Itapemirim, recebeu o apoio financeiro de R$ 700 mil por meio da Resolução CCAF de nº 233/2018 para desenvolver os estudos do projeto “Normatização da utilização de resíduos de rochas ornamentais em artefatos de cerâmica vermelha e à base de cimento Portland”. Os recursos são provenientes do Fundo Estadual de Ciência e Tecnologia do Espírito Santo/Mobilização Capixaba pela Inovação (Funcitec/MCI).
O projeto teve o objetivo de colaborar com a redução do impacto ambiental por meio da normatização do uso dos resíduos finos do beneficiamento de rochas ornamentais (Fibro). Muitos esforços estão sendo feitos para tornar a economia de forma circular, de modo que resíduos de produção sejam inseridos no ciclo de vida de produtos e serviços, visando reduzir o consumo de energia, água e recursos, como também as emissões sólidas, líquidas e atmosféricas para o meio ambiente.
O uso do Fibro em artefatos de cerâmica vermelha e concreto à base de cimento Portland e a elaboração das propostas de instruções normativas exigiu uma sequência de exaustivas ações, como exemplo: levantamento bibliográfico e visitas técnicas às indústrias e instituições de pesquisa; levantamento das indústrias dos setores em estudo; caraterização tecnológica de matérias-primas e produtos; caracterização dos resíduos; testes laboratoriais e nas indústrias; e a elaboração das propostas de instruções normativas. Nos materiais produzidos nos testes nas indústrias de cerâmica vermelha foram realizados ensaios normativos.
O levantamento feito das indústrias de cerâmica vermelha e de concreto com os polos de indústrias de beneficiamento de rochas apontam proximidades entre eles. Existem cerca de 60 indústrias de cerâmica vermelha que poderão absorver os resíduos Fibro, conforme explica a Doutora em Engenharia e Ciência dos Materiais e coordenadora da pesquisa, Mônica Gadioli.
“Nos estudos, nós substituímos parte de uma das matérias-primas naturais utilizadas na produção pelos finos do beneficiamento de rochas ornamentais, que já estão disponíveis. Nós produzimos os artefatos cerâmicos tanto em laboratório quanto nas indústrias e conseguimos produtos até melhores do que aqueles feitos da forma tradicional. Os resíduos de rochas ornamentais podem ser utilizados para a produção de artefatos de cerâmica vermelha e de componentes de concreto à base de cimento portland, desde que atendam aos requisitos descritos nas propostas de instruções normativas elaboradas”, explicou a coordenadora Mônica Gadioli.
Além de reduzir o consumo de matérias-primas naturais, a utilização do Fibro vai contribuir na diminuição da quantidade de resíduos descartados na natureza, agregar valor a um subproduto, até então indesejável, e gerar novos empreendimentos e produtos ecoeficientes.
Premiação
O troféu ouro, de 1° lugar nacional no ‘Prêmio Melhores Práticas em Arranjo Produtivo Local – APL de Base Mineral 2022’ foi para o projeto coordenado pela pesquisadora titular do CETEM, Mônica Gadioli, e pelo pesquisador aposentado do órgão, Francisco Vidal. O projeto contou também com a colaboração dos professores e colaboradores Geilma Vieira, Mariane de Aguiar, Maria Angélica Sant’Ana, Kayrone de Almeida e Carlos Maurício Vieira.
A premiação visa reconhecer as práticas inéditas realizadas no âmbito da cadeia produtiva do setor mineral. A premiação foi realizada durante o XVIII Seminário Nacional de Arranjos Produtivos Locais de Base Mineral que ocorreu entre os dias 30 de novembro e 03 de dezembro de 2022, em Teresina, Piauí.
Projeto Lama abrasiva e resíduos
A Professora do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Mirna Neves, coordenou o desenvolvimento do projeto “Caracterização da lama abrasiva e dos depósitos de resíduos do beneficiamento de rochas ornamentais visando à adequação da normatização ambiental e destinação ambiental”, recebendo recursos de R$ 550 mil por meio da Resolução CCAF de nº 233/2018, através do Fundo Estadual de Ciência e Tecnologia do Espírito Santo/Mobilização Capixaba pela Inovação (Funcitec/MCI).
A pesquisadora Mirna Neves enalteceu o impacto ambiental positivo dos resultados alcançados com o projeto. “Com relação ao uso dos resíduos para fabricação de cerâmica e concreto, os dados mostram que não há impedimentos do ponto de vista ambiental, pois as matérias-primas tradicionais já têm características semelhantes às dos resíduos. Mantendo respeito às normativas ambientais, o uso dos resíduos trará ganhos econômicos e ambientais”, destacou.
Mirna Neves acrescenta ainda a necessidade de uma importante ação para se buscar o aperfeiçoamento da normativa ambiental. “É recomendável a criação de um sistema de classificação de resíduos específico para o setor de rochas ornamentais, a exemplo do que já existe para o setor de construção civil. No mesmo sentido, uma produção mais limpa poderá ser incentivada com a criação de um “selo verde” para produtos “eco sustentáveis”. Incentivos para troca da tecnologia de serragem, seleção e triagem de efluentes, educação ambiental e gestão de aterros”, afirmou.
O trabalho de coleta do material para amostragem da lama abrasiva e demais resíduos foi intenso, com uma etapa que exigiu a perfuração de 7,5 metros de profundidade em vários depósitos.
Perfuração para coleta de resíduos – foto: Mirna NevesO diretor-presidente da Fapes, Denio Arantes, demonstrou entusiasmo com as soluções apresentadas pelas pesquisadoras. ”Os resultados dos projetos é mais uma grande demonstração do trabalho da equipe técnica da Fapes na tomada de decisão ao apoiar pesquisas muito importantes para a sociedade. Observamos que o Espírito Santo e o setor de rochas ornamentais ganham soluções para grandes problemas enfrentados com os resíduos. São vertentes tecnológicas e ambientais que já se destacam no cenário nacional e a Fapes comemora participar deste processo”, frisou Denio Arantes.
Resíduos: Perdas e problemas históricos
O Espírito Santo é um dos maiores produtores de rochas ornamentais do País e segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Rochas Ornamentais (Abirochas) o Estado é responsável por cerca de 40% da produção e por 80% da exportação brasileira de rochas ornamentais. As etapas de lavra e beneficiamento das rochas geram perdas consideráveis de resíduos, que ao longo da cadeia produtiva representam perdas de até 90%. Resíduos oriundos de duas categorias principais: resíduos grosseiros provenientes da etapa de extração ou lavra nas pedreiras e resíduos finos das indústrias de beneficiamento.
A maioria são resíduos grossos da lavra, normalmente de blocos fora do padrão de mercado, além de outros irregulares, que dependendo do método da lavra bem como do tipo geológico e da própria rocha, podem atingir perdas de milhões de toneladas, como as das pedreiras de quartzitos que representam entre 80-90%.
No beneficiamento também ocorrem perdas de resíduos grossos no aparelhamento dos blocos, conhecido por casqueiro, em torno de 14%. Na transformação do bloco em chapas na serraria são produzidos os resíduos finos do beneficiamento (Fibro), gerando um passivo de 26% em volume de bloco.
No Espírito Santo são depositados em aterros associativos e particulares 2 milhões de toneladas de resíduos finos por ano, do total estimado de 2,5 milhões de toneladas em todo o Brasil. Além da quantidade considerável, o problema se agrava devido ao fato de a maioria das indústrias não gerenciar corretamente o manejo de seus resíduos.
As perdas de material são representadas pela grande quantidade de resíduos gerada, principalmente, nas etapas de extração e beneficiamento da rocha. Os resíduos são uma preocupação crescente para o setor de rocha ornamental brasileiro, pois seu descarte inadequado pode causar problemas ambientais.
O desenvolvimento dos dois projetos apoiados pela Fapes deu diretrizes normatizadas e a consolidação de que os resíduos de rochas têm características relevantes para serem utilizados como matérias-primas na fabricação de novos produtos e já são utilizados para fabricação de diversos materiais, em especial para a fabricação de cerâmica vermelha e de cimento.
Texto: Jair Oliveira / Fapes