Em busca de compreender melhor a comunicação na relação cão-humano, pesquisadores investigaram como as emoções das pessoas afetam o comportamento destes animais. Os cientistas observaram que os comportamentos físicos de cães, como o explorar do ambiente e a angulação do rabo, se alteram diante de expressões positivas ou negativas. Os resultados estão em artigo publicado este ano na revista Animals, a partir de trabalho do Instituto de Psicologia (IP) e do Instituto de Biociências (IB) da USP, em colaboração com a Universidade de Lincoln, no Reino Unido.
Os cães possuem capacidades sociais, uma vez que estão em constante convívio com outras espécies, principalmente a humana. “A relação cão-humano é muito forte, data de dezenas de milhares de anos e, ao longo desse processo evolutivo compartilhado, os cães desenvolveram várias habilidades, por exemplo, entender o gesto de apontar, que para nós é um gesto referencial”, explica ao Jornal da USP a pesquisadora Natália de Souza Albuquerque, do IP, coordenadora do Grupo de Estudos em Etologia, Cognição, Comportamento e Emoções Animais.
Esses animais se expressam entre si e perante as demais espécies através de postura corporal, do abanar do rabo e da vocalização. Natália Albuquerque já havia pesquisado, em seu doutorado, se os cachorros conseguem inferir o estado emocional das pessoas. Os cientistas concluíram que os cães conseguem reconhecer e extrair informações para resolver problemas do ambiente em que estão inseridos através de pistas emocionais humanas, por causa de memórias e experiências anteriores a esse tipo de estímulo.
Os experimentos realizados nessa primeira pesquisa foram usados como base para o estudo atual, que resultou no artigo publicado em 2023, de autoria de Paulo Souza, pesquisador do IB e membro do grupo de estudos. O novo estudo se propôs a fazer uma análise comportamental dos animais.
No primeiro estudo, os pesquisadores haviam observado que, em uma situação em que os cães deveriam escolher entre pessoas que haviam demonstrado diferentes expressões faciais, os animais preferiam aquelas com expressões positivas para oferecer alimento. Ou seja, os cães refletiram sobre as possíveis consequências da interação emocional que haviam vivido anteriormente para fazer uma escolha com base nessas informações.
O segundo estudo utilizou o mesmo experimento, mas com um novo olhar. “Nós nos perguntamos como é que os cães reagem a isso [a expressões positivas, neutras ou negativas] em termos de comportamento. Será que o balançar de rabo muda? Será que a postura corporal muda? Será que a posição da cabeça muda? Queríamos aprofundar esses aspectos”, diz Natália Albuquerque.
No experimento utilizado como base, cada cão ficou em uma sala com o tutor, a experimentadora (Natália Albuquerque) e duas demonstradoras, com o objetivo de chegar a uma vasilha com ração. Primeiro, os animais assistiram a interações entre as demonstradoras: uma mostrava uma expressão facial neutra e a outra, uma expressão feliz, de raiva ou neutra.
Depois dessa interação, as demonstradoras sentavam-se paralelamente e as vasilhas com comida eram expostas de maneira indireta (em cima de uma mesa) ou direta (na mão das demonstradoras). Os cães eram soltos da guia por 30 segundos para explorar a sala e então o experimento acabava. Foram feitas filmagens com 70 cachorros de raças variadas.
O segundo estudo utilizou essas filmagens como base para identificar as diferenças no comportamento desses cães com um etograma – planilha das ações exibidas – construído por Paulo Souza. Todos os comportamentos foram codificados para obter a duração e frequência das ações.
A análise mostrou que, na situação de expressão facial positiva, com destaque para a disponibilidade de comida indireta, os cães tiveram dois comportamentos principais: cheirar as demonstradoras e manter o rabo levantado entre 90 e 180 graus. Nesses casos, é provável que os cães estivessem procurando informações do ambiente, já que precisam da pessoa para ter acesso à comida. “É possível que os cães estivessem percebendo o ambiente como positivo e respondendo de maneira apropriada”, diz Paulo Souza.
Nas situações de expressões negativas, os pesquisadores observaram que os animais não se aproximavam dos elementos-chave do experimento e não se interessavam pelo ambiente. “A maioria desses cães continuaram ao lado do tutor mesmo quando estavam liberados para fazer o que eles queriam. Isso acontecia mais na situação negativa, o que mostra que, de alguma forma, eles não queriam contato quando a situação era negativa”, lembra Natália Albuquerque.
Por fim, nas situações neutras, um dos comportamentos observados era relacionado ao contato físico, como pular em cima das demonstradoras. “Acreditamos que na situação neutra, como as pessoas não mostravam nenhuma expressão facial, o cão não tinha informação de nada, então não sabia o que fazer”, explicam os pesquisadores.
Melhor amigo do homem
Ainda há dificuldade para entender a vida emocional dos animais e como eles reagem às ações e emoções humanas, por isso Natália Albuquerque e Paulo Souza acreditam que o estudo é um pontapé para começar a decifrar, com metodologia científica, as indicações de postura corporal, comportamento e emoções caninas.
Esse conhecimento, além de teórico, também é prático e pode ser aplicado no dia a dia dos tutores de cães. Ele possibilita garantir o bem-estar dos animais e relações mais positivas entre humanos e cães.
Esse estudo vai muito além da relação entre cão e humano. A gente se inspirou bastante nessa questão para ter um método e dizer com um pouco mais de clareza o que significam os comportamentos de quando os cães percebem uma situação de forma positiva ou negativa. Isso é importante para que nós, como humanos, possamos tomar decisões dependendo de como vemos que o cão está percebendo aquela situação.”
Paulo Souza
Mais informações: e-mail nsalbuquerque@gmail.com, com Natália Albuquerque
Texto: Juliana Custódio (estagiária*)
*Sob supervisão de Valéria Dias e Fabiana Mariz