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Ferramenta para analisar mel garante qualidade e autenticidade ao produto brasileiro

Por meio de Inteligência Artificial, instrumento rastreou origem e espécie de abelhas produtoras de méis com acurácia de 98%

por Equipe ACQF

Em 2022, o Brasil se configurou como o sétimo maior exportador de mel do mercado mundial. Registrando um aumento de 9,5% em comparação com 2021, 61 mil toneladas do produto foram produzidas em solo nacional em 2022, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O produto é o terceiro que mais sofre adulterações em sua composição no mundo, atrás apenas do leite e do azeite de oliva. São alterações que acabam prejudicando sua qualidade e valor nutricional, além de abrir brechas para flutuações de preço, o que afeta o desempenho dos méis brasileiros. Por isso, há uma demanda pelo desenvolvimento de instrumentos que possam contribuir para garantir a qualidade e agregar valor aos méis nacionais.

Pesquisadores do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP, em Piracicaba, construíram uma ferramenta que, baseada em técnicas químicas, pode atestar os méis de abelhas nativas, além de rastrear sua origem e espécie produtora, a fim de garantir sua autenticidade. Para isso, a pesquisadora utilizou de uma Inteligência Artificial (IA) de predição, que viabilizou o acesso a essas informações com uma acurácia de até 98%.

Nandà Luccâs – Foto: Arquivo pessoal

“Os métodos de adulteração foram se sofisticando ao longo do tempo. Os testes e protocolos que temos hoje ainda permitem que essas alterações aconteçam por conta de algumas lacunas. É preciso investigar e tentar entender quais são os atributos intrínsecos do mel para atestar a qualidade do produto”, explica Nandà Luccâs, doutora pelo Cena, ao Jornal da USP.

A primeira etapa consistiu no desenvolvimento de um material de controle in house, uma amostra desenvolvida pelo próprio laboratório destinada exclusivamente a dar suporte em pesquisas. Assim, foi possível estabelecer parâmetros quantitativos para identificar os elementos químicos, comparar resultados e desenvolver um protocolo de liofilização do mel – a desidratação do produto, o que garante o sucesso da análise.

Para quantificar os compostos da iguaria, foram utilizados dois métodos: análise por ativação neutrônica (NAA), que usa a energia nuclear para bombardear a amostra com nêutrons, induzindo reações nucleares nos núcleos dos elementos presentes; e por espectrometria de massas (TQ-ICP-MS), que consiste em detectar os íons dos elementos químicos presentes em uma solução de méis.

Os cientistas investigaram duas espécies de abelhas: a Tetragonisca angustula, conhecida como Jataí e que não apresenta ferrão, e a Apis mellifera spp, que possui o órgão. Foram mais de 300 amostras de méis coletados do Cerrado e da Mata Atlântica. Ao final, 35 elementos químicos foram detectados. “Foi possível observar que méis de Apis, quando comparado com os de Jataí ou com os de outras sem ferrão, têm uma concentração mineral inferior. Para alguns elementos, inclusive, os de Jataí apresentavam o dobro ou triplo da concentração de alguns desses minerais”, diz Nandà Luccâs.

Abelha T. angustula em voo na entrada de cera de sua colmeia – Foto: Bibafu/Wipedia/CC BY-SA 3.0

Contrastes químicos também foram notados entre produtos de diferentes localidades. Os méis coletados em áreas de Cerrado apresentavam uma densidade e presença de minerais maiores do que os recolhidos na Mata Atlântica. Além disso, ao analisar as amostras, importantes informações sobre a saúde ambiental dos locais puderam ser obtidas, mostrando sua potencialidade como um bioindicador da qualidade do ambiente.

“O Cerrado é um dos ecossistemas mais ameaçados do Brasil. Então, alguns elementos que não se esperam achar em um alimento, como por exemplo o mercúrio (Hg), foram encontrados. No bioma atlântico, destaca-se a presença do vanádio (V)”. O mercúrio, que é tóxico, e o vanádio são metais utilizados em algumas atividades econômicas predatórias, como a mineração.

Rastreabilidade

“Mel não é tudo igual. O produto não tem uma uniformidade, uma homogeneidade. Os méis de abelhas com e sem ferrão, de diferentes espécies, têm suas características particulares”, explica a pesquisadora. Ela conta que o produto apresenta uma gama de diversidade em sua composição inorgânica, ou seja, de elementos minerais, de acordo com determinadas características que variam de espécie para espécie.

De acordo com Nandà Luccâs, essa variedade não é abarcada pelas normas de qualidade que regulam sua comercialização. A série de normas NBR 15714-1 (2009), responsável por descrever os testes e definir padrões de sanidade e qualidade. 

NBR é a sigla para Norma Brasileira: um conjunto de diretrizes técnicas que visa a padronizar procedimentos para a produção de bens e serviços no Brasil. A responsabilidade por sua elaboração é da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), uma entidade privada sem fins lucrativos, fundada em 1940, oficialmente reconhecida pelo governo.

Essa falta de especificação dos órgãos reguladores abre brechas para adulterações – o que afeta a qualidade da mercadoria. “A legislação que temos hoje detém algumas lacunas que permitem a persistência dessas deturpações. Por isso se torna tão necessário investigar e tentar entender as especificidades, os atributos intrínsecos dos méis de abelhas nativas do Brasil”, coloca.

Por dentro da colmeia 

Formado na maior parte por água e açúcar, o produto é conhecido por suas propriedades farmacológicas e benefícios para a saúde. Com a presença dos chamados compostos bioativos, podem auxiliar na prevenção de doenças, na saúde cardiovascular, intestinal e até dispor de efeitos antioxidantes. A média mundial de consumo de mel está em 240 gramas (g) per capita por ano, de acordo com a Associação Brasileira de Estudos das Abelhas (Abelha).

As diferentes composições dos méis ocorrem pela variação de elementos naturais encontrados nos ecossistemas e também por diferentes processos de armazenamento e de acordo com cada espécie. Na imagem, uma abelha Apis mellifera em pleno voo – Foto: Fir0002/Wikimedia/GFDL 1.2

“O mel é feito através do néctar sugado quando as abelhas estão fazendo o forrageamento: a busca por recursos que elas precisam para sobreviver. Esse néctar passa por todo o sistema digestório, onde vai recebendo enzimas que vão realizar modificações químicas, resultando no produto que conhecemos”, explica a pesquisadora. Embora o processo de produção seja padronizado, a diferença de composição entre os méis se dá pela variação de elementos naturais encontrados nos ecossistema, assim como disparidades no processo de armazenamento, que se altera entre espécies.

Com isso, os parâmetros físico-químicos do mel, como seu pH, coloração e a quantidade de água em sua composição mudam de acordo com a espécie e ambiente da abelha, assim criando uma gama de méis.

Avanços no mercado

A pesquisadora planeja o aprimoramento da ferramenta para a criação de um selo de qualidade com reconhecimento internacional. “Temos que refinar um pouco mais esses modelos para que eles levem em consideração não apenas a composição química elementar dos bens, mas também outros compostos orgânicos – como os compostos fenólicos, derivados diretamente do pólen e que podem ser marcadores específicos de espécies”, coloca. Além disso, um banco de dados da quimiodiversidade dos méis está em produção e poderá ser acessado pelo público.

Os resultados da pesquisa foram apresentados na tese de doutorado Rastreabilidade e autenticidade do mel de abelhas Jataí (T. angustula) e Híbrida (A. mellifera spp) dos biomas Cerrado e Mata Atlântica, de Nandà Luccâs, realizada sob orientação da professora Elisabete Fernandes.

Texto: Camilla Almeida* / Jornal da USP

*Estagiária sob orientação de Fabiana Mariz

Mais informações: e-mail fernandaluccas@usp.br, com Nandà Luccâs

 

 

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