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Berço das abelhas fica no Hemisfério Sul

Pesquisa reconstrói primeiros eventos evolutivos das abelhas, mostrando que espécies atuais descendem de ancestral comum que habitava América do Sul e África há 120 milhões de anos

por Equipe ACQF

Macho de abelha silvestre brasileira (Centris varia) visitando uma inflorescência da rainha dos lagos (Pontederia cordata) em Capão da Canoa, RS. Foto: Adriana Tiba e Julio Pupim.

Com a maior biodiversidade do planeta, o Brasil já fez parte da Gondwana Ocidental, um supercontinente que englobava a América do Sul e a África. Foi neste supercontinente que as abelhas, conhecidas como principais polinizadoras da flora, se originaram, há cerca de 120 milhões de anos, num período geológico chamado de Cretáceo.

A revelação vem de um estudo que acaba de ser publicado pela Current Biology, reconstruindo o período e a região geográfica do planeta onde teriam ocorrido os primeiros eventos evolutivos das abelhas. O que foi possível graças à grande quantidade de evidências genômicas (análises de DNA das abelhas) e de registros fósseis, material submetido a “muita análise computacional sofisticada”, como conta o professor Eduardo Almeida, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP e principal autor do artigo.

Eduardo Almeida - Foto: arquivo pessoal

Eduardo Almeida – Foto: arquivo pessoal

A pesquisa resultou da colaboração de 16 cientistas de nove países, que escolheram e coletaram amostras de material genético de 216 espécies de abelhas que vivem hoje em diferentes partes da Terra. A seleção, avalia o professor Almeida, representa ampla diversidade, com o máximo de grupos de abelhas diferentes, seja pela classificação científica, seja pela distribuição geográfica. Os dados de DNA inéditos das abelhas atuais podem ser comparados às informações disponíveis em bases de dados genômicos, traçando a história genealógica dessas espécies e seus ancestrais.

Ao lado das pesquisas e comparações do genoma, avaliaram “extenso material de abelhas extintas” e geraram uma base de dados com mais de 200 fósseis. Foi possível então “conhecer quais espécies de abelhas estavam em quais continentes ao longo da história evolutiva desses insetos”, continua o professor. E, para identificar em qual momento surgiram os grupos de abelhas, os pesquisadores cruzaram, em análises estatísticas, as informações genéticas com as idades dos fósseis.

Submetidas à análise computacional, a idade de origem dos diferentes grupos de espécies e distribuição geográfica das abelhas modernas permitiram a visualização de “cenários para a evolução no tempo e no espaço”, afirma Almeida. Os pesquisadores conseguiram então juntar os modelos computacionais, gerados com as distribuições das centenas de fósseis, e a descrição da origem das abelhas, ocorrida nos continentes do Cretáceo, há cerca de 120 milhões de anos.

Polinizadores de flores colonizaram a Terra

As abelhas que ocupavam o Hemisfério Sul alcançaram outras áreas do planeta conforme o movimento e mudanças dos continentes e do clima ao longo de dezenas de milhões de anos. Alguns continentes se afastaram, outros se aproximaram; houve mudanças nos níveis dos oceanos, ora isolando, ora conectando massas de terra. Quanto às mudanças climáticas, o professor destaca a expansão dos ambientes tropicais do Sul para o Norte do globo ocorrida entre cerca de 60 e 40 milhões de anos atrás.

“Grupos de organismos previamente restritos às regiões tropicais e subtropicais do Hemisfério Sul provavelmente expandiram sua distribuição para o Norte do planeta, colonizando as regiões representadas atualmente pela América do Norte, África e Ásia”, conta Almeida, informando que os registros fósseis do Hemisfério Norte foram essenciais para confirmar “quando diferentes grupos de abelhas alcançaram locais até então desprovidos de uma fauna desses insetos”.

Além de avaliar quando e como as abelhas colonizaram os demais continentes, os pesquisadores conseguiram ponderar possíveis consequências dessa história. E a estreita relação entre as abelhas e as plantas por elas polinizadas, por exemplo, oferece “paralelos importantes” entre as histórias de alguns grupos de plantas e de abelhas. “Regiões onde houve uma associação mais longeva de abelhas e flores têm alta diversidade de ambos, como é o caso da América do Sul”, exemplifica.

Da mesma forma, conseguem explicar casos como o da Austrália, que possui áreas com alta diversidade de alguns grupos de abelhas e plantas contrastando com outras muito empobrecidas ou até mesmo ausente de diversidade. Almeida conta que as primeiras abelhas chegaram à Austrália vindas da América do Sul, quando a Antártica era mais quente e conectava os dois continentes, o que teria acontecido durante um período entre cerca de 70 e 35 milhões de anos. Na Índia, as abelhas só teriam chegado há cerca de 50 milhões de anos, quando essa massa de terra teria colidido com a Ásia.

A partir da relevância das abelhas como polinizadores, o professor Almeida diz que a chegada delas em diferentes épocas e locais do planeta criaram cenários muito variados. E estes cenários ajudam a explicar a evolução de associações entre polinizadores e diferentes grupos de plantas. Como essa associação – abelhas e plantas – é fundamental para a reprodução de diversas espécies vegetais, o pesquisador acredita que a história das abelhas no planeta teve impactos sobre a reprodução de grupos de plantas e também na própria associação entre as plantas e os polinizadores ao longo do tempo.

Além do professor Almeida, o estudo The evolutionary history of bees in time and space contou com outros dois pesquisadores da USP, egressos do Programa de Pós-graduação em Entomologia da FFCLRP: Diego S. Porto e Felipe V. Freitas atualmente desenvolvem pesquisas de pós-doutorado no exterior.

Texto: Rita Stella / Jornal da Usp

A imagem lateral mostra parte da diversidade de abelhas amostradas no estudo. De cima para baixo: Halictidae, Agapostemon virescens e Macronomia clavisetis; Colletidae, Mydrosoma fallax; Stenotritidae, Ctenocolletes nigricans; Andrenidae, Euherbstia excellens; Apidae, Exaerete smaragdinaCentris longimanaParanomada velutina; Megachilidae, Lithurgus pullatus; e Melittidae, Meganomia binghami. Foto: excerto do gráfico em Current Biology

 

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