Por Guilherme Castro Sousa / Jornal da USP
Em artigo publicado na revista Science Advances, pesquisadores da Vanderbilt University Medical Center, em Nashville, nos EUA, desenvolveram um novo método para aumentar a viabilidade do transplante de pulmão. Ao conectar o sistema circulatório de um porco vivo aos pulmões doados, com a ajuda de um imunossupressor encontrado no veneno da cobra naja, eles conseguiram quadruplicar o tempo de preservação do órgão fora do corpo humano.
De acordo com Flávio Galvão, cirurgião, pesquisador e professor associado ao Departamento de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (FM) da USP, o transplante de pulmão é um procedimento delicado. Existe uma janela de apenas seis horas desde a remoção do órgão até o transplante, o que exige agilidade dos profissionais de saúde. “Essa pesquisa fez um achado interessante. Depois de um dia, eles viram que esse pulmão ainda estava muito bem preservado”, destaca o professor.
Galvão, que não participou da pesquisa, explica que o estudo internacional tentou criar um novo tipo de sistema de perfusão. Atualmente, esse trabalho é realizado por uma máquina que simula a circulação humana e pode auxiliar na preservação dos órgãos já removidos dos doadores. Porém, o cirurgião pontua que “ela [a máquina] tem um tamanho razoável, um peso razoável e encarece muito o transplante”, por isso, raramente é utilizada nesse processo.
Ao fazer uso do sistema circulatório de um suíno vivo no lugar da máquina, os pesquisadores conseguiram desenvolver um método potencialmente mais flexível e barato. Contudo, um dos maiores empecilhos dessa pesquisa é a rejeição hiperaguda, processo que leva a uma rápida degeneração dos órgãos e “acontece quando animais muito díspares são transplantados”, esclarece ele.
Para o especialista, o destaque do novo artigo foi o método pelo qual os pesquisadores contornaram esse problema. Foram utilizados diversos imunossupressores para evitar a degeneração do pulmão, incluindo uma substância encontrada no veneno da cobra naja. Segundo o professor, “esse veneno da cobra interfere justamente no sistema imunológico do corpo, evitando assim a rejeição hiperaguda”.
O estudo faz parte de um campo de pesquisa dedicado ao transplante de órgãos e tecidos de animais em seres humanos, o xenotransplante. Os procedimentos que envolvem essa técnica ainda se encontram em fase experimental e teoricamente podem agilizar consideravelmente o transplante de órgãos. Entretanto, Galvão informa que essa linha de pesquisa levanta uma série de problemas éticos e de segurança, incluindo “a possibilidade de o porco causar uma pandemia decorrente de viroses ligadas à sua própria genética”.
Em vista de tudo isso, o professor conclui que, embora esses procedimentos estejam em fase experimental, a doação de órgãos ainda é a única alternativa viável para salvar a vida dos pacientes que aguardam um transplante. “Um dos maiores gargalos do transplante é a carência de doadores de órgãos e isso, infelizmente, é um problema sério”, alerta.