Um relatório produzido por especialistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) em 2022 aponta que a humanidade tem apenas três anos para impedir consequências irreversíveis desencadeadas por mudanças climáticas. Preocupados com esse contexto, uma estudante e professores do Programa de Pós-Graduação em Doenças Infecciosas (PPGDI) e do Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal (PPGBAN) da Ufes produziram um estudo sobre o impacto das mudanças climáticas na saúde pública no Brasil.
O artigo, intitulado “Impact of climate change on public health in Brazil” (em tradução livre, “Impacto das mudanças climáticas na saúde pública no Brasil”) e publicado na revista científica Public Health Challenges (do inglês “Desafios da Saúde Pública”), destaca a relação entre a saúde animal, ambiental e humana através das mudanças e eventos climáticos do país.
A professora Rachel Vicente, do Departamento de Medicina Social e do PPGDI, afirma ser necessário entender a dimensão dos impactos que as mudanças climáticas podem causar. “São impactos em diferentes cenários. Uma situação de enchente, por exemplo, leva também ao aumento de doenças como a leptospirose, a danos à infraestrutura de construções e a questões também de saúde mental. A pessoa atingida por uma emergência dessas é obrigada a lidar com aquilo tudo de uma vez só”, explica.
Rachel Vicente conta que a ideia da publicação do artigo veio do projeto de extensão Iniciativa conjunta para promoção da abordagem em Saúde Única, também chamado de One Health Espírito Santo. A Saúde Única é uma abordagem multissetorial que considera a conexão entre saúde humana, animal, ambiental e das plantas, visando à prevenção e ao enfrentamento de enfermidades nos níveis local, regional, nacional e global. Para a coautora Mariana Ferreira, doutoranda do PPGDI, a educação e conscientização sobre o tema são fundamentais e urgentes, mesmo no nível superior: “os ensinamentos vistos na escola e faculdade ainda são rígidos e restritos a temas específicos; portanto, a visão ampla e interdisciplinar difundida pela Saúde Única deve ser exercitada e auxiliar no manejo e prevenção de problemas”.
Consequências
No Espírito Santo, as mudanças climáticas afetam diversas áreas da sociedade, segundo a professora. “Aqui, nós tivemos recentemente surtos de zika, dengue, chikungunya e febre maculosa. São doenças que chamamos de sazonais e são transmitidas por vetores”. Rachel Vicente afirma que a mudança de temperaturas impacta diretamente no aumento de casos de doenças infecciosas. “No caso de mosquitos, o aumento das temperaturas favorece o seu desenvolvimento e influencia seu comportamento, o que acaba favorecendo a transmissão de doenças”, afirma.
O artigo aponta para uma série de estudos que mostram diversos aspectos da relação entre mudanças climáticas e saúde. Um deles indica que o risco de surtos de doenças infecciosas está geralmente associado a eventos climáticos, como El Niño, La Niña, ondas de calor, secas, enchentes, aumento de temperatura e das chuvas. Outro fator impactante é a ação humana sobre o ambiente, com destaque para os incêndios e suas consequências – poluição, migrações humanas e animais e espalhamento de patógenos e vetores.
Os autores indicam que os problemas de saúde também estão relacionados à urbanização desordenada, boa parte com estrutura de saneamento inadequada. Cerca de 80% da população brasileira vive em áreas urbanas. Entre as consequências dos efeitos climáticos estão doenças respiratórias e cardiovasculares e problemas de saúde mental.
Futuro
Rachel afirma que as emergências que vêm acontecendo no mundo todo são consequência de um desequilíbrio entre a saúde animal, ambiental e humana, sendo necessário o enfrentamento do problema por meio de diferentes áreas, na perspectiva da Saúde Única. “Por vezes, vemos a área da saúde trabalhando sozinha, isso em muitos casos não é efetivo. A dengue, por exemplo, é uma questão de saúde, mas temos que pensar também quais fatores ambientais colaboram para a proliferação dos mosquitos”, diz. Na legislação brasileira, saúde é uma questão ampla: envolve meio ambiente, acesso à moradia e educação.
Os principais impactos das mudanças climáticas ocorrem nas populações mais vulneráveis, que convivem com mais riscos, inclusive de indisponibilidade de alimentos e água. O estudo cita como exemplo a correlação, na Amazônia, de malária e diarreia em áreas que deveriam ser de proteção ambiental, mas estão sujeitas ao desmatamento e à mineração. Para mitigar esse problema, os autores indicam a necessidade de se priorizar a conservação ambiental.
Vicente afirma ser necessário que essas ações se tornem uma política de Estado. Tal política deve envolver a formação de profissionais das mais diversas áreas, com a mentalidade de que o combate aos impactos causados por mudanças climáticas só será efetivo com a união de setores como o agrícola, demográfico e ambiental e o financiamento internacional para países em desenvolvimento.
Entre as soluções possíveis, os autores apontam o cultivo de espécies agrícolas adequadas para viver com menos água e em ambientes mais quentes, com investimento em engenharia agronômica; reúso de água e uso de água das chuvas, com incentivos econômicos; e investimentos em infraestrutura, com a criação de barreiras naturais, espaços verdes e materiais sustentáveis. Tais medidas devem ser incentivadas economicamente com políticas públicas locais, segundo o artigo.
Além de Rachel Vicente e Mariana Ferreira, assinam a publicação os professores da Ufes Yuri Luiz Reis Leite (PPGBAN) e Crispim Cerutti Junior (PPGDI).