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Tecnologia blockchain pode reduzir risco de roubos e fraudes na área da saúde

Sistema de rastreabilidade de medicamentos que impede alteração de registros garantiria maior segurança para empresas e pacientes na cadeia nacional de suprimentos

por Equipe ACQF

Um estudo da Escola Politécnica (Poli) da USP propôs uma arquitetura para rastrear medicamentos hospitalares utilizando blockchain, uma tecnologia de dados encadeados que não depende de uma autoridade central. O pesquisador Rodrigo Spessoto Aranda, orientado pelo professor Carlos Eduardo Cugnasca, redigiu a dissertação que identifica a necessidade do aprimoramento de arquiteturas para cadastrar e acompanhar medicamentos e outros materiais da área de saúde, desde a fabricação, passando pela distribuição, até o consumo pelos pacientes.

Em redes automatizadas com essa tecnologia, o registro de informações é feito de forma imutável. Cada informação é adicionada a um bloco, que é conectado a outros em uma cadeia, formando assim um blockchain, corrente cujos elos são blocos inseparáveis.

Uma informação a ser registrada no blockchain precisa ser validada por um conjunto de usuários da rede, os mineradores, que usam computadores para resolver problemas matemáticos complexos. Quando encontram a solução correta, validam o bloco de informações. Uma vez validado, o bloco é adicionado à cadeia existente, criando uma cópia distribuída e imutável das informações para toda a rede. Isso significa que qualquer alteração na informação registrada seria imediatamente detectada e rejeitada.

O pesquisador, que atua no gerenciamento de produtos hospitalares, comparou os principais requisitos das blockchains já existentes. Assim, elaborou um modelo conceitual que apresenta a validade e o lote dos produtos para identificar os que são adulterados, duplicados, roubados ou falsificados. Para isso, utilizou como base o Sistema Nacional de Controle de Medicamentos (SNCM), cuja arquitetura foi expandida na pesquisa para que a tecnologia cobrisse todas as etapas desde o produtor. O SNCM foi concebido em 2009 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas a sua implementação vem sendo adiada desde então. A rastreabilidade por meio do modelo do SNCM, porém, dependia de estágios manuais e do uso de selos.

O modelo proposto no estudo inclui a integração, processamento e validação dos dados e a visibilidade para alguns stakeholders. Estes seriam usuários que poderiam consultar os registros caso houvesse alguma dúvida ou desconfiança sobre determinado suprimento da cadeia, como governo, indústrias, distribuidoras, operadoras de saúde, hospitais, médicos e pesquisadores.

Rodrigo Aranda – Foto: Arquivo pessoal

“O modelo pode ser aplicado para muitos suprimentos hospitalares como órteses, próteses, materiais especiais e medicamentos de alto custo ou controlados. Alguns medicamentos, por exemplo, têm origem animal. Então a rastreabilidade poderia ter início no abatedouro ou frigorífico — passando pela chegada do insumo na indústria, pela indústria o processando e fazendo a cápsula, que é vendida para um distribuidor, que seria transferido por uma transportadora para um hospital — até o medicamento ser consumido pelo paciente ou descartado”, revela Rodrigo Aranda ao Jornal da USP.

Essa tecnologia já é usada em diversas aplicações, como em criptomoedas (moedas digitais), registros de propriedade e autenticação de documentos. Rodrigo Aranda propôs um modelo para garantir essa transparência e segurança também nas transações realizadas na compra, na venda e no consumo de medicamentos.

Há outros materiais hospitalares de alto custo além de fármacos. “Por exemplo, há parafusos de próteses que custam R$ 6 mil e outros muito parecidos que custam R$ 300. Se um paciente ou um convênio é cobrado por isso, por que não garantir que ele realmente o utilizou?”, conta o pesquisador.

Além disso, há outras questões de segurança e de negócios envolvidas nessa implantação, como ele explica. “O consumidor final poderia ter no prontuário uma restrição a um medicamento que, mesmo assim, foi prescrito e aplicado. Se isso piorar o estado do paciente e aumentar a estadia dele em alguns dias, a rastreabilidade do medicamento possibilitaria monitorar isso. A operadora de saúde não iria pagar por esses dias a mais de estadia, tendo o hospital que arcar com isso. Se esse paciente evoluir a óbito, haveria outras entidades envolvidas, como seguradoras, que teriam como justificar ou não o pagamento de um prêmio.” Dessa forma, diversas entidades e pessoas seriam beneficiadas indiretamente, garantindo inclusive que o medicamento usado é verdadeiro e que não foi roubado, falsificado ou adulterado.

Quanto mais agentes, mais seguro

O pesquisador acredita que a tecnologia pode solucionar alguns dos desafios encontrados na implementação do SNCM. Ele explica que a validação descentralizada proporcionada pela blockchain daria mais autonomia ao sistema, evitando a dependência de uma única entidade reguladora que poderia manipular os dados históricos, mesmo sem intenção. Com a ferramenta, apenas transações validadas por uma rede descentralizada seriam registradas, garantindo maior dinamismo e segurança ao processo.

No mecanismo de consenso, as entidades que fariam a validação teriam acesso às informações quando uma mercadoria fosse enviada de um lugar a outro. Uma validação centralizada também tem condições de realizar essa tarefa, porém é passiva de influência humana, ou seja, uma informação já realizada pode ser alterada. No blockchain, a partir do momento que um movimento é validado por todos os envolvidos, o dado fica imutável, passível apenas de consulta por entidades habilitadas.

“Teria que haver muitas entidades ou mineradores mal-intencionados ao mesmo tempo na mesma transação para criar um registro falso dentro do blockchain. Quanto mais agentes validando houver, essa chance de fraude é menor”, defende Rodrigo Aranda. Isso é relevante em um cenário em que a falsificação e adulteração colocam em risco a saúde dos pacientes e afetam a reputação das empresas envolvidas.

Empecilhos

A saúde é um dos setores com projeções de crescimento constante nos próximos anos. Comparada com os demais setores da economia, porém, a área hospitalar possui particularidades na gestão de estoques, como o alto custo, a incerteza no tempo de entrega, a variação da demanda e o excesso ou a falta de estoque.

Com a adoção da tecnologia, práticas indevidas seriam inviabilizadas ou dificultadas, como prescrever um medicamento, aplicar outro e, assim, cobrar por um serviço mais caro do que foi prestado. Segundo o pesquisador, atualmente, o tipo de fármaco aplicado pode variar de acordo com a forma de pagamento do paciente, se através de convênio ou em dinheiro. Os medicamentos de alto custo desviados de hospitais públicos também só conseguem ser aproveitados dentro do próprio sistema de saúde, público ou privado. Empresas com gestões ineficientes para adoção da prática também poderiam criar resistência. Portanto, alguns envolvidos poderiam dificultar a adoção dessa tecnologia que proporcionaria maior transparência ao sistema de saúde nacional.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que as falsificações movimentam US$ 200 bilhões todo ano no mercado farmacêutico mundial. Existem medidas para coibir esse mercado em outros países, mas não sistemas como o sugerido no levantamento. A União Europeia, entretanto, já investe na construção de uma rede semelhante chamada Smart Pharmaceutical Manufacturing (Spumoni).

Interesses em jogo

A integração de ordens de compra, transporte, recebimento, venda e consumo de medicamentos com órgãos reguladores responsáveis pela emissão das notas fiscais eletrônicas e conhecimento de transporte eletrônico elevaria ainda mais a confiabilidade e a transparência no sistema de saúde no Brasil.

Segundo André Franco Montoro Filho, que é professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP e participou das discussões a respeito da implantação do SNCM como representante do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco) em 2009, as indústrias não fariam objeções a um sistema de blockchain. “É do interesse das boas empresas que haja esse controle, pois o custo de seguros, que é muito alto hoje, cairia bastante. O governo ganha em termos de arrecadação, a empresa ganha porque tem menos custo e o consumidor ganha porque tem mais confiabilidade no medicamento que está comprando”, avalia o economista.

O professor ressalta que um sistema digitalizado não foi adotado pela Anvisa nos testes de 2009 a 2011 por receio de uma falha de cobertura de internet em algumas regiões do País, o que não seria mais um obstáculo. “Uma resposta instantânea facilitaria enormemente o trabalho dos fiscais.”

Mais informações: contato pelo LinkedIn, com Rodrigo Aranda.

Texto: Ivan Conterno  – Arte: Simone Gomes / Jornal da USP

Foto Destaque: Marcos Santos / Freepik – Fotomontagem Jornal da USP

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